A Lei do Silêncio e o direito à cidade

Brasília a capital dos brasis, patrimônio da humanidade, centro do poder do país. Seja lá qual for o título pomposo escolhido, fale-o baixo, pois você pode estar sendo decibelimetrado e será enquadrado na Lei do Silêncio, essa que esvazia a cidade de gente e de cultura desde 2008. Apesar da pressão das classes interessadas, o projeto de Lei (PL 445) NÃO foi votado na tarde de ontem (06) conforme previa a pauta da Câmara Legislativa do DF.  Mesmo com grande repercussão na mídia e nas redes sociais, a Câmara decidiu  não votar o PL 445, transferindo a possível votação para o próximo dia 20.

Falar sobre Lei do Silêncio é falar sobre gentrificação, segregação social, fascismo. Brasília tem hoje um número significativo de músicos profissionais que saem das escolas de música, da universidade, do Clube do Choro já com o pé no aeroporto, pois palco em Brasília quase não há. A cidade conhecida por sua diversidade cultural vem lutando contra essa  lei retrógrada que fechou a maioria dos palcos e espaços culturais de Brasília de forma arbitrária. Apesar das tentativas de adequação da Lei do Silêncio brasiliense à realidade da maioria das cidades do mundo, os artistas e produtores locais não vêm tendo êxito junto ao Ibram (Instituto Brasília Ambiental) e ao Governo de Brasília, que parece não se importar com a gravidade das consequências dessa lei para nossa cultura e nossa cidade.

 

O Projeto de Lei 445 que está em tramitação desde 2015 define um limite único de 75 decibéis durante o dia e 70 decibéis à noite para qualquer fonte emissora, independentemente da área. O patamar é superior ao máximo permitido para áreas residenciais pela lei em vigor – de 65 decibéis de dia e de 55 à noite. Para entendermos o gargalo deste projeto de lei e a impossibilidade de cumprimento por parte dos músicos da cidade, analisemos os níveis de ruídos em decibéis na tabela abaixo.

Além de ser decibelmente impossível manter uma cidade com o nível de ruído proposto pela Lei do Silêncio, os índices ainda são aferidos dentro dos estabelecimentos e não de dentro da residência de quem fez a reclamação, como é feita na maioria das capitais do mundo.  No novo projeto de lei, seria permitido música ao vivo ou gravada tocada em áreas internas ou externas de bares, restaurantes, etc. As penalidades, porém, não sofreriam alteração. Segundo Ricardo Vale (PT), autor da proposta, “essa lei, como está, acaba por proibir a realização de atividades importantes para os cidadãos, principalmente a execução de música ao vivo em restaurantes e similares.”

Na opinião da ativista musical Gabriela Tunes, uma das integrantes do movimento Quem desligou o som ¨A alteração da Lei não vai aumentar o ruído, ela vai simplesmente fazer voltarem os espaços de música, que são o principal alvo da lei atual. O Mapa de Ruídos do DF (foto) mostra que a poluição sonora vem do trânsito (toda a área em rosa tem ruído médio acima de 70 dB, muito provavelmente beirando os 90 dB). A poluição sonora vem dos motores dos carros, movidos à explosão. Por quê ninguém fala em metrô, VLT, entregadores com bicicletas elétricas, IPVA zero para carros elétricos como estratégias (aí sim, efetivas) de combate à poluição sonora? Por quais motivos existe tanto receio em manter essa lei fascista e irreal, que nem sequer trisca na verdadeira fonte de poluição sonora da cidade?”

 

Para “desenhar” o nível de arbitrariedade na medição dos ruídos permitidos pela Lei do Silêncio vigente Esdras Nogueira, saxofonista da banda Móveis Coloniais de Acaju, foi até o Ibram e em mais alguns outros lugares da cidade, no vídeo abaixo.

“Quando o nível de pressão sonora proveniente do tráfego ultrapassar os padrões fixados por esta Lei, caberá ao órgão responsável pela via buscar, com a cooperação dos demais órgãos competentes, os meios para controlar o ruído e eliminar o distúrbio”, diz a Lei do Silêncio”.

 

Música não é barulho!

Apesar das penalidades contra os estabelecimentos com música ao vivo da cidade, o termo “música” não está descritas na Lei, mas sim os termos “poluição sonora” e de “ruído”.  No PL 445 a ser votado, este conceito passará a ser esclarecido conforme abaixo:

  • Poluição sonora: “Toda emissão de som que, direta ou indiretamente, seja ofensiva ou nociva à saúde, à segurança e ao bem-estar da coletividade”
  • Ruído: “Qualquer som ou vibração que cause ou possa causar perturbações ao sossego público ou produza efeitos psicológicos ou fisiológicos negativos em seres humanos e animais”
  • Música: “Som organizado pelos seres humanos, fruto de sua criatividade e conhecimento, utilizando como linguagem de expressão e que permite a fruição estética”

 

 

“Sirenes berram

E motores bradam

IBRAMMM

IBRAMMM

E ninguém ouviu

As lanchas

A qualquer hora

Na orla do

Lago Particular

Rangem

IBRAMMM

IBRAMMM

Mas lá ninguém viu”

A votação da PL 445 foi adiada para o próximo dia 20, data que a classe artística de Brasília estará em peso na porta da Câmara Legislativa lutando pelo direito de exercer suas profissões e cobrando um tratamento mais justo respeitoso com a cultura de Brasília. “Ou a gente se Raoni ou a gente se Sting”.

 

Fonte: Carnavalesca.org