Tia Ciata e o berço do Samba

Resistir, viver e lutar por seus direitos sempre foi mais complicado para as mulheres do que para os homens no Brasil desde sempre. E quando além de mulher a cidadã é negra, ela torna-se ainda mais vulnerável perante o sistema racista e patriarcal do nosso Brasil. Se hoje a situação não está nem perto do aceitável, imagina 160 anos  atrás! E é para lá que este texto viajará agora, para 1854, no momento do nascimento de Hilária Batista de Almeida, mais tarde consagrada no Rio de Janeiro como Tia Ciata, matriarca do samba. Essa caprichosa filha de Oxum foi a mais célebre das muitas líderes baianas pertencentes à Pequena África (região do Rio de Janeiro que ficava entre a zona portuária e o bairro da Cidade Nova).

Tia Ciata mudou-se para o Rio de Janeiro aos 22 anos, no êxodo que ficou conhecido como diáspora baiana. Naquela época a Praça Onze ganhou o apelido de Pequena África, porque era o ponto de encontro dos negros baianos e dos ex-escravos radicados nos morros próximos ao centro da cidade. Tia Ciata começou a trabalhar com o seu tabuleiro de acarajés, cocadas e outras delícias baianas na Rua Sete de Setembro, sempre vestida de baiana. Com tino comercial, também alugava roupas típicas para o teatro e para o carnaval.

A casa de Tia Ciata, na rua Visconde de Itaúna 117, era a capital da Pequena África. Dos seus frequentadores habituais, que incluíam Pixinguinha, Donga, Heitor dos Prazeres, João da Baiana, Sinhô e Mauro de Almeida, nasceu o samba. A música Pelo telefone foi o primeiro samba registrado no Brasil, se tornando um grande sucesso no carnaval de 1917.

Mãe-de-santo muito respeitada, Hilária foi confirmada no santo como Ciata de Oxum, no terreiro de João Alabá, na Rua Barão de São Felix, onde também ficava a casa de Dom Obá II e o famoso cortiço Cabeça de Porco. Em sua casa, as festas eram verdadeiros acontecimentos esperados pela comunidade, principalmente as festas de São Cosme e São Damião e de Nossa Senhora da Conceição. Além das festas sagradas, festas profanas também eram promovidas por Tia Ciata, com apoio de importantes “tias baianas” e sem dúvida Partido Alto dançado miudinho era o que comandava a roda de samba.

 

AS TIAS BAIANAS

As chamadas “Tias Baianas” tiveram um papel preponderante no cenário de surgimento do samba no Rio de Janeiro, no final do século XIX e início do XX. Além de transmissoras da cultura popular trazida da Bahia e sacerdotisas de cultos e ritos de tradição africana, eram grandes quituteiras e festeiras, reunindo em torno de si a comunidade que inundava de música e dança suas celebrações – as festas chegavam a durar dias seguidos. Nessa época, viviam Tia Amélia (mãe de Donga), Tia Prisciliana (mãe de João de Baiana), Tia Veridiana (mãe de Chico da Baiana) e Tia Mônica (mãe de Pendengo e Carmen do Xibuca). Mas a mais famosa de todas foi Tia Ciata, em cuja casa nasceu o samba.

As Tias Baianas eram consideradas mães do samba e do carnaval dos pobres. A casa de Tia Ciata era parada obrigatória, pois era a mais famosa e muito respeitada pela comunidade. Até hoje, as tias são representadas e homenageadas nos desfiles, pela ala das baianas das escolas de samba.

Várias célebres canções foram paridas na casa de Tia Ciata, mas sem dúvida as mais conhecidas são:

– Batuque na cozinha (João da Baiana) – João da Baiana

– Benguelê (Pixinguinha e Gastão Viana) – Clementina de Jesus

– Patrão prenda seu gado (Pixinguinha, Donga e João da Baiana) – Martinho da Vila

– Pelo telefone (Donga e Mauro de Almeida) – Almirante, Pixinguinha e Grupo da Velha Guarda

– Yaô (Pixinguinha e Gastão Viana) – Pixiguinha

 

A Rede Carnavalesca.org reverencia e agradece à Tia Ciata e tantas outras guerreiras de nossa cultura por tanto amor e resistência. Viva Tia Ciata!

 

Fonte: Carnavalesca.org