Distrito Federal, abril de 2021
Como atividade de avaliação do carnaval de 2021 a Rede Carnavalesca promoveu no dia 23/3/2021 a CARNAVALIAÇÃO – Avaliação Festiva do Carnaval. Com a presença de diferentes grupos carnavalescos (blocos de carnaval, escolas de samba, produtores/as, foliãs, foliões e demais brincantes) a atividade fez uma avaliação do carnaval em forma de conversa orientada por metodologia de grupo focal. Elaboramos este relatório tendo por base as questões inspiradoras que foram utilizadas no debate.
Carnaval, compreendido como todo o processo de preparação, realização e finalização de atividades festivas, foi muito diferente. A principal característica deste ano foi que o carnaval não ocorreu a partir de eventos de rua e sim com muitas atividades online, pelos meios de comunicação e redes sociais.
• PRÉ-CARNAVAL: A maioria dos blocos não realizou atividades de planejamento e preparação pré-carnaval, dado que o governo cancelou o evento. Algumas escolas de samba realizaram eventos presenciais como teste, tal qual escolha de samba-enredo e festas de aquecimento. Apesar de não terem propagado contágio de COVID-19, decidiram não continuar com estas atividades. Outros grupos buscaram mecanismos de realizar atividades carnavalescas mesmo na pandemia mas sem sucesso. Alguns grupos carnavalescos fizeram lives, festas onlines e campanhas para o incentivo ao carnaval.
• CARNAVAL: na véspera do carnaval alguns grupos que estavam mais familiarizados com o mundo virtual decidiram fazer uma programação de carnaval online. A partir daí convocaram blocos para realizar suas atividades. Alguns canais de TV comercial e comunitária também se organizaram para manter programação voltada ao carnaval. A maioria dos blocos nem saiu às ruas nem fez atividades virtuais. Porém os grupos que realizaram carnaval online tiveram bastante retorno.
A opção de manter atividades online no carnaval atingiu muitas inseguranças e indecisões de blocos que não sabiam como realizar eventos em situação de pandemia. A partir de iniciativas como a da Rádio Cafuné e TV Comunitária (praça dos prazeres) muitos grupos carnavalescos decidiram realizar atividades utilizando estas plataformas. Acharam importante fazer especialmente pelo recado e alegria que precisava repassar.
Por outro lado, a maioria das escolas de samba e blocos de rua não realizaram nenhuma atividade. Aqui fica um especial destaque aos grupos carnavalescos da periferia que não tem acesso fácil aos meios virtuais nem tem público para este tipo de atividade.
• PÓS-CARNAVAL: acabado o carnaval a maioria dos grupos começou um debate sobre a realização ou não do carnaval de 2022 e quais as formas de realização do mesmo com ou sem restrições pandêmicas. Algumas atividades de avaliação do carnaval foram realizadas para tanto.
As principais atividades relatadas pelas pessoas no carnaval foram:
1) Participar de festas online, especialmente a rádio cafuné.
2) Acompanhar a programação da TV e Rádios
3) Realizar atividades pela rua sozinhas, fantasiadas. Caminhadas pela cidade como blocos solitários.
O carnaval foi feito totalmente pelos grupos carnavalescos, mesmo com boicote e perseguição dos governantes e silenciamento da mídia corporativa. Foi um carnaval realizado a partir da cultura do faça-você-mesm@, de forma autônoma e independente.
A realização destes blocos da forma como ocorreu foi, por um lado, um fortalecimento da mídia comunitária alternativa e independente. Por outro lado a mídia tradicional não investiu nada no carnaval, invisibilizaram totalmente os blocos e a cultura.
A característica virtual deste carnaval possibilitou o contato nacional e internacional de forma muito potente. As lives reconectaram pessoas de diferentes cidades que são de vários coletivos. Houve DJs de várias cidades, mesmo que a iniciativa tenha partido de um coletivo de uma cidade específica.
Foi uma grande experiência fazer conexões com pessoas de todo o brasil e de todo o df. Criou-se uma articulação nacional bem interessante, que dever ser fomentada para se ampliar ainda mais. O mais legal de estar na internet é não ter limites de território. Mas pra ser mias amplo precisa se organizar com mais antecedência.
O carnaval certamente teria sido melhor caso houvesse mais tempo de organização e planejamento. Outro motivo que melhoraria muito o carnavalseria um maior apoio do governo à realização das atividades, ao contrário do boicote e perseguição ocorridos. O formato online deve ser incentivado e melhor estruturado até que a pandemia seja superada. Deve-se ampliar o diálogo e incentivar este tipo de atividades.
O carnaval não gerou renda pra cidade. Quem fez o carnaval foram os foliões. A renda foi gerada por meios alternativos clandestinos e pra quem fez atividades com chancela/tutela do estado. A falta de apoio governamental impossibilitou que vários grupos carnavalescos realizassem atividades online. Muitos grupos estão com muitas dividas em função do ano de pandemia e não tinham como investir em atividades online.
A geração de renda online é muito diferente da presencial. A renda online é pra grupos sociais com acesso abundante à tecnologias digitais e organização burocrática. Este tipo de renda não chega a ambulantes, setor informal e outros atores importantes da cadeia produtiva do carnaval. As grandes marcas até fizeram alguns investimentos em alguns setores da cadeia produtiva porém sem nenhuma incidência sobre a periferia e trabalhadores informais.
Para responder esta pergunta um histórico é necessário: GDF já há alguns anos, sob diferentes gestões vem perseguindo as atividades carnavalescas no DF, de forma que há sete anos não temos desfiles das escolas de samba e também as restrições da lei do silêncio tem dificultado a realização de atividades de rua. A este processo local soma-se um recente ataque do governo federal às atividades carnavalescas e tentativas de criminalização do carnaval, com discursos de ódio e ataque aos financiamentos.
Esta política foi ampliada em ano de pandemia. O governo local cancelou qualquer atividade carnavalesca e eximiu-se do debate com a sociedade civil para planejar alternativas. Esta postura gerou problemas a todos os setores da economia carnavalesca e dificultou a realização das atividades. Precisamos de salvaguarda pro carnaval pra fortalecer essa cadeia produtiva.
A grande novidade é o carnaval online. Ele vai continuar de toda forma pois gera renda, gera publico, gera interações. Apesar de todas as dificuldades avalia-se que foi muito bom poder iniciar o ano trabalhando no carnaval.
O carnaval online mesmo com todas as limitações foi um ponto de apoio e acolhimento para enfrentamento de diferentes violências. Houve uma série de iniciativas online para coibir casos de assédio e discriminação nas festas, da violência doméstica e cuidado com saúde mental. Destacamos o grupo Cafunelas e a Campanha Folia com respeito, que desenvolveram atividades de conscientização e cuidado para coibir violências.
Por outro lado o carnaval online não impediu e, em alguma medida, promoveu medidas de exclusão com quem não podia estar vinculado ao mundo online. As populações em situação de rua, miseráveis e outros setores foram excluídos da festa em função do meio em que ela ocorreu. Esta situação ampliou a fragilidade e vulnerabilidade social destes setores no período pandêmico.
O carnaval não pode ser responsabilizado pelo aumento de casos de COVID-19, pelos seguintes motivos:
• Não há sentido em culpabilizar o carnaval pois as aglomerações do carnaval foram canceladas. Os grupos carnavalescos que realizaram eventos de teste anteriores ao carnaval avaliaram os perigos de seguir com estas atividades e não realizaram eventos presenciais no período.
• O carnaval, ao contrário, trouxe cultura, organização, crítica e conscientização. Os grupos carnavalescos aderiram massivamente à campanha “Carnaval como respiro” e somaram à campanhas pela vacinação e combate ao corona vírus.
• O pouco diálogo, incentivo e organização por parte do governo, por outro lado, gerou ambiente propício à realização de uma série de eventos clandestinos que teriam sido minorados caso a atuação estatal não fosse tão repressiva.
• Setores conservadores da sociedade usaram a pandemia como mote para expressar suas posições contrárias ao carnaval. Estes mesmos setores estavam lutando contra o isolamento social na pandemia e estavam incentivando eventos no fim do ano, verão e outros períodos sem nenhuma estratégia de controle da transmissão do vírus: ao contrário, buscava-se uma política de ampliar a contaminação até a hipotética situação de ‘contágio de rebanho’.
• Quem estava na rua no carnaval eram as mesmas pessoas que estavam nas ruas nos feriados, na virada do ano, as pessoas que tem feito eventos durante todo o período. Não há como culpabilizar o carnaval.
A grande inovação do carnaval de 2021 foi o protagonismo das atividades online. Esta novidade veio para ficar e, mesmo com a volta das atividades de rua, este modelo deve ser mantido e incentivado. Também deve-se aprender com o carnaval deste ano para estarmos preparados para novas situações do tipo e também atender publico que não possa frequentar presencialmente os eventos. O carnaval de 2021 pode ser visto como uma experiência a ser estudada e aprimorada nos próximos anos.
Precisamos avaliar o que pode acontecer depois desse carnaval de 2021. Ele não houve no sentido da geração de renda. Precisamos fortalecer o carnaval de rua ainda que o online se fortaleça. Os desafios não ocorrem somente no carnaval: eles envolvem problemas de estrutura, locomoção e circulação que precisam ser preparados durante todo o ano. Além disso o carnaval envolve o fortalecimento da cultura carnavalesca tanto em realização de eventos como em atividades educativas para carnavalescas/os, foliãs e foliões. Neste sentido, reuniões de articulação de grupos carnavalescos tem que se manter o ano inteiro. Além disso a organização do carnaval precisa ser iniciada pelo menos com seis meses antes. Da parte do poder público é importante conquistar mais fomento, diálogo e planejamento prévio.
Há grande ansiedade sobre como será o carnaval de 2022. O prognóstico não é animador em função da nova cepa, dificuldades com controle da pandemia e lentidão nas vacinas, entre outros fatores. Por isso avalia-se a necessidade dos grupos carnavalescos participarem das mobilizações com interesse em retomar o espaço da cidade. Buscando vacinação com o segurança, força e cuidados amplos.
É muito importante lembrar que o carnaval é na rua. Os blocos tem centenas de milhares de pessoas nas ruas e na internet tem milhares.
O carnaval tem sido cuidado pela aliança entre grupos carnavalescos, combatendo uma onda conservadora que tem atacado e criminalizado constantemente as práticas carnavalescas. Por exemplo, a ARUC está sendo criminalizada com base naLei do Silêncio; em resposta, está se defendendo com a a campanha chamada “Deixe a aruca sambar!”, mobilizando apoiadores/as de todo o país a gravarem vídeos em apoio. Junto a isso há também os problemas de infraestrutura que tem sido apontados pelo corpo de bombeiros que está buscando interditar o salão da escola de samba. Ao invés do estado interditar os grupos carnavalescos tradicionais do DF a solução é que se criem incentivos e apoios para regularização do local. As escolas de samba não são entidades lucrativas e tem poucos recursos, precisando do apoio da sociedade.
A cultura está sendo atacada por quem é responsável estatal pela cultura. A lei do silêncio e do conforto acústico estão estrangulando a cultura na cidade. E isso acontece há muitos anos. Não existe nenhuma estrutura de diálogo permanente sobre o carnaval. Só quem faz isso é o movimento cultural, que pelas dinâmicas atuais virtuais tem mais dificuldade de conversa e organização. Os jornais não tem mais editorias de cultura voltadas à divulgação e fomento do carnaval, que está sendo muito reduzido.
Neste sentido foi elencado que o DECRETO 38 019 precisa ser colocado em funcionamento urgentemente. Se a lei tivesse sido cumprida, com planejamento, não teríamos chegado à situação que ocorreu em 2021. É necessário levantar um histórico do que é o carnaval no Distrito Federal, retirando da invisibilidade muitas atividades blocos e histórias relevantes da cidade. Nosso carnaval, seguindo a tradição local, é muito marcado pela ampla diversidade de blocos, festas, eventos, ritmos e estilos.
Temos que nos unir pra não nos descaracterizarem. Para muita gente o carnaval é vida.