Crise limita grandiosidade de alegorias mesmo nas escolas campeãs do Rio

Em meio a uma das maiores crises já vistas, a palavra de ordem do carnaval de 2018 em todos os barracões da Cidade do Samba, na Gamboa, na Zona Portuária do Rio, é economizar. Nas alegorias – a parte mais cara dos carnavais – materiais foram substituídos, efeitos especiais modificados, e estruturas reduzidas. O brilho e a empolgação permanecem em alta, assim como a criatividade que, garantem os carnavalescos, vai resultar em um grande espetáculo. Mas nem mesmo as escolas campeãs de 2017 – Mocidade e Portela – escaparam da crise.

Campeão pela Mocidade Independente de Padre Miguel, o carnavalesco Alexandre Louzada conta que em 34 anos de carnaval, nunca enfrentou uma crise tão grave. Não só pela demora na assinatura do repasse da Prefeitura do Rio, mas também com o corte de 50% na subvenção e na busca por soluções através da Lei Rouanet em Brasília, além da interdição dos barracões por quase dois meses pelo Ministério do Trabalho.

“Gostaria de estar falando que tenho um enredo com patrocínio, que sou privilegiado, mas este é o ano mais difícil. A gente quer fazer um carnaval bonito, mas com o pé no chão. A crise atingiu comércio, fornecedores e todo mundo está fazendo o que pode com o que tem. Não chegamos a entrar num Plano B, e ainda é um carnaval para bicampeonato. Mas tive que enxugar muito. Minimizei as esculturas gigantes, como eram o cavalo marinho do ano passado e o Dom Quixote, reduzi os movimentos, que encarecem muito. Vai ser um carnaval mais clean, não tão rebuscado como queria”, disse Louzada.

Para a carnavalesca Rosa Magalhães, que estreia na Portela – escola que venceu em 2017, quebrando um jejum de 33 anos – este ano, todo mundo está usando o Plano B. “Uns B mais, outros B menos”, como frisou. Ela admite que a situação das escolas de samba do Rio atualmente é bem difícil, mas lembra já enfrentou problemas tão ou mais graves para colocar seu carnaval na avenida, como no tempo do congelamento das contas bancárias com o Plano Collor ou os incêndios nos barracões antes da construção Cidade do Samba.

“Essa crise é temporária. Estamos fazendo umas alas mais ricas e outras nem tanto, dentro do orçamento, para não ter problemas e conseguir acabar a tempo. Estamos contratando alguns efeitos. O grande problema que enfrentamos foi a falta de material. Os fornecedores não fizeram estoque. Então, está sendo tudo na base do: troca, corta, muda. Podem tentar acabar com o carnaval, mas ele é resistente”, afirmou Rosa, que está confiante em levar o título de 2018 para a Portela.

A crise passa longe do carnaval que Paulo Barros – que conquistou o campeonato de 2017 pela Portela – está desenvolvendo para a Unidos de Vila Isabel para 2018. Com um enredo criado a partir de uma parceria da escola com a Nissan, ele diz que o que falta às coirmãs é uma gestão empresarial do carnaval. Ou seja, fazer um enredo com o pé no chão, dentro da escola.

“Essa coisa de peso da bandeira, de luxo, isso é bobagem. Já provou que é bem-vindo, mas não é o fundamental. Em 2017, a alegoria que mais emocionou era da tragédia no Rio Doce, que não tinha nada de luxo. A estética tem de passar sentimento, mexer com o público, contar o enredo. A Vila está resgatando uma gestão séria, que sabe elaborar um projeto e executá-lo dentro de suas características. A escola está preparada administrativamente: tem um projeto e sabe quanto pode gastar. Carnaval hoje é tecnologia e isso é muito caro. Então, tem de saber equilibrar tecnologia, com emoção e não se pode gastar mais do que tem. Com gestão, não há crise”, defendeu Paulo Barros, que garante estar colocando em prática tudo o que projetou para o desfile da Vila Isabel.

Crise muda concepção das alegorias da Beija-Flor

Mas a coisa não é bem assim para Laíla, integrante da comissão de carnaval da Beija-Flor de Nilópolis. A escola que teve Joãosinho Trinta como carnavalesco – e que dizia que “o povo gosta de luxo, intelectual é que gosta de miséria” – e que coleciona mais títulos no Sambódromo do Rio, oito deles, teve de conter os gastos, reduzindo esculturas, efeitos e adereços nos carros.

“Nem quando comecei no carnaval, no final da década 60, enfrentei tanta dificuldade quanto este ano. É um descaso em todos os sentidos: corte de verba, fechamento de barracão. Com tanta indefinição, os fornecedores não investiram e falta material para trabalhar. Estamos dando o nosso jeito. Este ano, nosso critério alegórico foge de tudo o que a gente vinha fazendo. O nosso carnaval vai ser o maior ato cívico com a participação popular, um grito de alerta contra todo esse descaso e intolerância”, disse Laíla.

A crise antecipou a concepção das alegorias que a Beija-Flor pretende apresentar neste carnaval. O tamanho dos carros – largura e extensão – continua o mesmo, mas a complementação com esculturas, adereços e elementos que têm de ser finalizados quando a escola já estava na armação da avenida, segundo Laíla, mudou muito.

“Há dois, três anos, levávamos 32 carretas com material para concluir os carros na armação. Acabávamos a montagem dos carros na avenida. Eram muitos encaixes e exigia uma logística absurda. Este ano, mais contidos, vamos ter de três a cinco carretas para transportar esse material. Isso não quer dizer que a Beija-Flor vai fazer um desfile pobre. Ao contrário, a nossa força nunca esteve nas alegorias, mas na garra dos componentes. Vamos apresentar o que foi proposto no enredo, com entusiasmos e alegria, apesar de todas as dificuldades”, disse Laíla.

Fonte: Portal G1