Povos Ciganos presentes na Cultura do DF

A Rede Carnavalesca conversou com Sônia Reis, líder cigana do povo Romani Lovara, no dia mundial da Diversidade Cultural e dia dos Povos Ciganos. Publicamos agora esta conversa com informações e aprendizados sobre a História do DF e os povos que fomentam nossa as matrizes da Cultura.

Cigana e Conselheira de Cultura, ela cria um Distrito Federal a favor das pessoas, da cidadania e da vida. Conhecemos a Sônia neste Carnaval, mas os passos dela vêm de longe. Premiada por sua atuação a favor da vida das mulheres e no combate aos feminicídios. Defensora dos direitos Humanos e do Meio Ambiente. E artista. Cultura Popular, Carnaval, Artesanato são algumas linguagens que nossa entrevistada atua. Conversamos com Sonia Reis, que apesar da agenda lotada, esta mulher brasileira, que cria, cuida e sonha  dedicou seu precioso tempo para contar sua história e da matriz cigana aqui DF.

Carnavalesca: Sônia, qual nome colocamos na entrevista ?

Sônia: Meu nome é Sônia Pereira dos Reis Silva, mas gosto de ser chamada de “Sônia Reis”.

Carnavalesca: Pode nos contar um pouco sobre sua história ?

Sônia: Eu sou uma cigana Romi Lovara. Sou líder da comunidade cigana Romani Lovara do Distrito Federal. Meu povo veio pra Brasília quando Juscelino ganhou a eleição e o mesmo convidou meu pai para vir ajudar na construção da cidade. Moraram na cidade livre, que atualmente é chamado de Núcleo Bandeirante. E a Cidade Livre agregou vários povos, na época que vieram de outros estados para ajudar na construção de  Brasília. E um destes povos era meu povo. Meu pai era muito amigo do Juscelino Kubistchek que também era um homem cigano.

Eu nasci na cidade livre. Ali nós moramos em várias vilas. Quando fiz 4 anos nós fomos pra Ceilândia e assim fomos de cidade em cidade, de estado em estados. Ficávamos um tempo em Brasília e voltávamos pra Minas. Bahia, Pernambuco, Goiás estes estados rodamos muito. Mas, nossa firmeza foi mais aqui em Brasília. Até porque meus irmãos nasceram aqui. Minas e DF foram os estados que mais vivemos.

CARNAVALESCA: E sua atuação como defensora da cidadania e do Bem-Viver ?

Sônia: Hoje estou em Brazlândia, sou concursada da Secretaria de Educação daqui. Me fixei aqui por isto. Meus pais já faleceram. Meu pai em 1995 e minha mãe em 2009 e eu assumi a liderança. Eu trabalho na defesa dos Direitos Humanos. Em especial, dos povos ciganos, que é o meu povo. Mas, atuo também na defesa das pessoas com deficiência, das mulheres rurais, de todas mulheres. Pois, também sou mulher, portadora de deficiência e vivo em área rural.

Atuo na defesa do Meio ambiente, do Cerrado, das Águas. Até porque para nós ciganos o Meios Ambiente é nossa casa. Nós temos que cuidar da nossa casa, né ? O Meio Ambiente, o espaço que nós temos. Então a gente tem que cuidar da nossa casa.Fui premiada pela Secretaria de Educação e pela Secretaria de Segurança Pública pela minha atuação no combate ao feminicídios.Sou fundadora do projeto Elos femininos, de combate à violência. Reconheceram meu trabalho no combate à violência.

Posso dizer que sou líder comunitária na minha cidade. Decidi me formar, estudar, trabalhar. Desde os 14 anos pela vida das mulheres, das pessoas idosas, dos negros.  Nós povos ciganos temos toda esta diversidade. Eu amo o que faço e amo trabalhar pela vida dos nossos povos.

CARNAVALESCA: Sônia, vc atua em defesa dos diretos culturais e dos direitos dos povos ciganos…como estas lutas caminham juntas?

Sônia: Eu atuo na Cultura, sou Conselheira do Conselho de Cultura aqui em Brazlândia. Estou como Secretária, na diretoria. Resolvi trabalhar com a Cultura porque precisamos fazer construção de muita coisa. E trabalho de desconstruções também. A dança, as vestes, as tranças que as mulheres usam de lado fazem parte da Cultura Cigana. O lenço que a mulher amarra no cabelo tem o seu significado. Precisamos que a sociedade compreenda que são simbologias que faz parte da Cultura de um povo. A peça do nosso artesanato carrega a nossa ancestralidade. Ao nascer cada ser do nosso povo, recebe esta ancestralidade. Nossa Cultura tem muitos elementos, significados.

A maioria da pessoas já escutou que os ciganos são povos espertos, que roubam, quando chegavam numa cidade roubavam galinhas, crianças, cavalos. E isto é passado de geração para geração. E isto precisa ser desconstruído, imediatamente. A nossa História precisa ser contada de forma correta. A nossa história não é contada em livros didáticos. Solicitei agora durante a construção do Segundo Plano Distrital de Políticas Públicas para Mulheres que nossa história precisa ser contada.

Desde a Conferência Nacional de Políticas Públicas para Mulheres que a gente tá pedindo isso. Nós estamos gritando: a nossa História precisa ser contada. Ela precisa ser contada por nós mesmas. Não é vir uma Cultura externa a nossa fazer dança pra dizer que os ciganos existem, né ? Não é copiar um artesanato nosso para dizer que os ciganos existem.

CARNAVALESCA: Muita gente se fantasia de cigano no Carnaval. Na sua opinião como é isso? Apropriação Cultural, ou não ?

Sônia: E precisamos contar nossa História de como ela é. Por exemplo, a mídia quando retrata a mulher cigana,  inclusive no Carnaval mesmo,  eles retratam a parte mais bonita da nossa História só que a nossa realidade é outra. Temos ciganos passando fome. Para quem não sabe, nosso povo se tornou um povo nômade andarilho, porque fomos expulsos, as nossas gerações foram expulsas. E isso passou a ser uma condição imposta dentro da nossa Cultura.

Também viemos de uma Cultura machista e sexista. Nós também estamos fazendo as nossas desconstruções. Enquanto mulheres nós também estamos ocupando nossos espaços de voz e de fala. Para que a nossa precisa ser contada como ela é. O Carnaval mostra a Cultura mas da forma que as agremiações e foliões conhecem. Mas, a nossa Cultura é mais profunda. Nós, mulheres, ciganas não mostramos nosso corpo daquela maneira. É diferente.

A religião hoje nós temos ciganos evangélicos. Igrejas de ciganos evangélicos. As pessoas precisam ter discernimento sobre nossa Cultura. Distinguir isso da nossa Cultura. Para as pessoas separarem isso somos nós que temos que falar, que temos que contar. Nós começamos a plantar estas sementinhas. Sempre falo que estamos plantando sementinhas de Tâmara, porque nós não vamos colher agora. Vão ser nossos filhos, netos, bisnetos que vão colher os frutos deste trabalho que nós estamos fazendo agora. Pra chegar lá na frente a sociedade não ter mais medo do nosso povo. Medo este causado pelas histórias e mitos que foram contados sobre  nosso povo, as lendas que foram faladas, né ? E que hoje são armas contra nós. Tem cigano que tem medo de dizer que é cigano. Porque é rejeitado, porque o preconceito e o racismo existem. Então, precisamos mudar a nossa História e para  mudar a nossa história precisamos contar como ela é. E é através da Cultura, da Educação, da Saúde.

Sônia: Agradeço muito este espaço esta oportunidade de contar esta História de forma correta e íntegra. Parabéns pelo trabalho da Rede Carnavalesca. Muito obrigada !

NOTA: Juscelino Kubitschek foi o único presidente de origem cigana no mundo. Sua Mãe, Júlia Kubitschek, era descendente de tchecos e tinha etnia cigana.